Acordo do TSE com plataformas deixa brecha para desinformação nas eleições

A constatação é apontada em um estudo que analisou os chamados memorandos de entendimento com a Corte Eleitoral

CORREIO DO ESTADO / ESTADãO CONTEúDO


O acordo firmado em fevereiro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens deixou brechas em medidas de combate à desinformação no Brasil.

A constatação é apontada em um estudo que analisou os chamados memorandos de entendimento com a Corte Eleitoral e concluiu que, em geral, os termos acertados foram mais brandos se comparados às ações realizadas nos Estados Unidos.

O relatório, produzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), avaliou os quatro eixos do acordo do TSE com Facebook/Meta, Google/YouTube, WhatsApp, TikTok, Twitter e Kwai: disseminação de informações confiáveis e oficiais sobre as eleições, capacitação, contenção de desinformação e transparência.

Em comparação com a eleição de 2018, os pesquisadores acreditam que houve avanços, mas destacaram, por exemplo, que não há previsão de sanção às plataformas em caso de não cumprimento do acordo feito com a Justiça Eleitoral.

'Se a plataforma não cumprir com o acordado, o que o TSE fará?', questionou a pesquisadora do INCT.DD Maria Paula Almada.

O relatório afirma que quase todas as plataformas tiveram avanços nos dois primeiros eixos estruturantes, mas tomaram medidas insuficientes no campo de contenção de desinformação. 

E nenhuma delas apresentou avanços no campo da transparência. 

'A transparência ia dar uma compreensão maior sobre como um conteúdo é retirado', disse o pesquisador do INCT.DD Rodrigo Carreiro. 

'Temos algumas indicações de como o algoritmo funciona, mas não se sabe em que medida esse conteúdo será retirado do ar de forma automatizada ou se será retirado a partir de interferência humana.'

O Telegram, que firmou parceria com o TSE no último dia 25, após ameaça de medidas judiciais como a suspensão de seu funcionamento no Brasil, ficou fora do estudo.

'A plataforma atuava nas sombras', afirmou o pesquisador.

Em uma primeira medida prática tomada após o memorando do TSE, o YouTube anunciou recentemente uma nova política contra a disseminação de informações enganosas sobre as eleições no Brasil. 

As regras permitem a exclusão de vídeos antigos que contenham alegações falsas sobre o pleito de 2018. 

A plataforma entende por 'alegações falsas' todo conteúdo que possa levar eleitores a desistir de ir às urnas, como afirmações de que os equipamentos do sistema eleitoral tenham sido hackeados, adulterando votos. 

Além disso, o YouTube anunciou que incluirá painéis informativos que levam o usuário a 'fontes confiáveis' sobre o tema.

Integração

No entendimento dos pesquisadores, porém, o YouTube precisa adotar 'regras mais rígidas de punição para casos de ataque ao TSE e às urnas e especificar marcos temporais mais claros a respeito da celeridade com a qual a plataforma promete atuar em caso de denúncias'.

Os pesquisadores ainda apontam a necessidade de haver ações integradas entre as redes ou memorandos específicos do TSE para as diferentes plataformas. 

'As dinâmicas são diferentes, o modo como a notícia circula é diferente, então a gente entende que teria havido mais ganho caso houvesse acordos diferentes para cada plataforma', afirmou Maria Paula. 

Pelas particularidades de cada rede, Carreiro disse não saber se é possível uma integração num horizonte próximo. 'Mas deveria ocorrer.'

O YouTube bloqueou o perfil da deputada e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis (PL-DF), em fevereiro. 

A ação ocorreu após a publicação, no mês anterior, de uma live que questiona a eficácia da vacina de covid-19 em crianças. O vídeo, contudo, permanece ativo no Facebook e no Twitter. 

A parlamentar é investigada no inquérito das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Bia Kicis classificou a atitude da plataforma como 'censura odiosa'.

Procuradas, as plataformas disseram que promovem ações para melhorar o debate sobre o tema no ambiente digital (mais informações na pág. A8).

EUA

O relatório vê a necessidade de adaptação das redes sociais ao contexto político nacional, em comparação com o ambiente digital nos Estados Unidos, país em que a maioria das plataformas - com exceção das chinesas TikTok e Kwai - estão sediadas.

No caso de Facebook e Instagram, geridas pelo grupo Meta, não há, no acordo com o TSE, especificação sobre temas, termos ou ideias proibidos de serem parte de anúncios eleitorais. 

'Aqui no Brasil essas grandes questões que envolvem as plataformas vêm sempre após a experiência americana, então a gente está sempre atrasado', disse Carreiro. 'É perceptível a diferença.'

'Os americanos conseguiram adaptar as plataformas à cultura política local', observou o pesquisador. 

'Nos Estados Unidos, a questão da urna não existe, diferentemente daqui. Essa especificidade é o que a gente procura: é preciso respeitar a lógica da plataforma, que é um ente privado, mas que ele se adapte à lógica de funcionamento no Brasil.'

O Estadão questionou o TSE sobre como a Corte avalia o diálogo com as empresas em torno da adoção de medidas de combate à desinformação e o respeito à lei eleitoral, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

Estudo abrangeu acordos do TSE com Facebook, Google, Instagram, TikTok, YouTube e Kwai.