Mato Grosso do sul

Especialista explica como funciona a cabeça dos animais

Zootecnista refuta a existência de uma psicologia dos bichos, derruba mitos como o do QI canino, mas reconhece uma série de semelhanças com a mente humana

CORREIO DO ESTADO / MARCOS PIERRY


Zootecnista, com mestrado em Ciências, Diogo Cesar Gomes da Silva desfaz o mito da psicologia animal, mas alerta que os bichos de estimação têm, sim, problemas de comportamento que demandam, inclusive, tratamento com o uso de medicamentos. 

O especialista é professor da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande, onde coordena o Laboratório de Etologia e Análise do Comportamento.

Para o pesquisador, a inteligência de um animal vai depender muito mais do papel a ser cumprido pelo tutor, e não de critérios apontados nos testes de QI para cães, por exemplo. 

“Um mínimo de conforto e eles terão o seu desenvolvimento cerebral, cognitivo, comportamental pleno', afirma Silva, em entrevista ao Correio do Estado. Confira a seguir.

O correto academicamente é dizer que não. Porque a psicologia é uma ciência que trata de estudar o comportamento humano e a cognição humana. 

Mas a gente tem o termo popular “psicologia' como uma espécie de sinônimo para comportamento, mente e coisas do tipo. 

O mais adequado para a área animal seria um especialista em comportamento animal ou mesmo um etólogo, que vem de Etologia, que é a ciência que estuda o comportamento animal.

Os problemas mais comuns comportamentais e cognitivos em animais, de uma maneira geral, e não só nos pets, surpreendentemente se assemelham com o que acontece conosco, seres humanos. 

Temos, em termos de porcentagem de problemas de comportamento, uma grande presença de diagnósticos de ansiedades, tanto a ansiedade generalizada quanto a ansiedade por separação, que é quando os pets, por exemplo, ficam sozinhos quando os tutores saem, vão trabalhar ou viajar, etc. 

Temos também muitos problemas relacionados à agressividade e problemas relacionados a comportamentos estereotipados, que são aqueles comportamentos repetitivos, muitas vezes ritmados, executados com grande intensidade fora de sequência. 

Muitos desses problemas podem se agravar em casos, por exemplo, autolesivos, como animais que se lambem tanto que geram queda de pelo e inflamação da pele ou mesmo animais que se automutilam.

Esses fatores são múltiplos. Temos que fazer um acompanhamento caso a caso, conhecer o animal em um detalhe muito íntimo, tanto fisiológico quanto comportamental, e a dinâmica da família. 

A gente basicamente vai ver as interações que ele tem com o ambiente social dele, que inclui as pessoas e outros animais, o desenvolvimento dele enquanto indivíduo, ou seja, o que ele aprendeu ao longo do desenvolvimento dele, o que é que a família permitiu ou estimulou que ele aprendesse e as condições atuais em que ele vive. 

E aí a gente avalia tudo, alimentação, espaço, exercício físico, como é que são as relações ali com as pessoas. Todos esses fatores para poder chegar em uma possível relação de causa.

Todos esses problemas têm tratamento. Pode ser um tratamento farmacológico, isso vai depender da extensão do problema, dos exames clínicos. 

Alguns problemas de comportamento podem precisar de um suporte farmacológico [uso de medicamentos]. Por isso a importância sempre de fazer um exame com o veterinário. 

Mas a maioria dos problemas de comportamento são resolvidos ou administrados com técnicas comportamentais, mudanças no ambiente, intervenções com os cães e por aí vai.

É difícil a gente fazer um comparativo porque em ambas as condições você pode ter níveis de estresse elevado, até porque o estresse é muito individual, é muito subjetivo. O mais adequado é acompanhar o animal mesmo. 

Fazer toda a investigação fisiológica e comportamental para determinar o nível de estresse em que aquele animal se encontra.  

A gente também tem condições, ferramentas para determinar níveis de estresse e impactos no comportamento, assim como a gente tem para animais domésticos. 

Um animal da fauna que teve alguma mudança significativa no ambiente dele, que seja de qualquer tipo de situação, a gente tem condições, sim, de mensurar estresse, bem-estar animal, mudança no repertório, inclusive, fazer uma estimativa da extensão desses efeitos para a qualidade de vida desses indivíduos.

Esse é um assunto bastante complexo e delicado de ser comentado. Porque, dentro das próprias ciências que estudam o ser humano, que a gente inclui a psicologia, a psiquiatria, a própria biologia e outras áreas da saúde, não há um consenso sobre os processos cerebrais que o ser humano possui. 

De modo que algumas correntes filosóficas/científicas desenvolvem teorias da mente e outras correntes não desenvolvem essa teoria mental. 

Essa corrente alternativa, vamos dizer assim, ela é uma corrente mais naturalística, no sentido de tratar o cérebro como um órgão, e as respostas que o cérebro emite são visualizadas dentro de um sistema orgânico, sem se voltar a explicações não físicas ou não naturais, como algumas filosofias mentais têm. 

Vai depender muito do posicionamento do profissional em relação a como ele descreve os comportamentos e a cognição, tanto humana quanto animal.

Partindo de uma visão mais naturalística, que é a minha, existem muitos aspectos semelhantes entre o processo cerebral e as respostas cognitivas em vários animais com o nosso funcionamento cerebral e existem também notadas diferenças. 

A ciência comparada se beneficia disso, e isso, inclusive, é utilizado para estudos de medicamento, funcionamento e distúrbios cerebrais. 

O próprio estudo do comportamento passa por essas comparações entre espécies, incluindo a nossa. Diagnósticos comportamentais, como a depressão e outros, são possíveis em alguns animais por, justamente, a gente ter uma série de sintomas e sinais clínicos semelhantes.

O famoso QI das raças caninas, o nível de inteligência das raças caninas, na verdade, nós, da área de comportamento e bem-estar animal, questionamos um pouco porque a metodologia em que ele [o estudo] foi executado beneficia algumas raças e não outras. 

Na verdade, a inteligência é multifatorial, de modo que os testes que foram aplicados para fazer essa hierarquia de inteligência nas raças caninas não contemplam todas as capacidades que os animais podem ter. Então, é óbvio que isso vai favorecer algumas raças ou outras. 

Eu diria para o tutor para ele ficar bastante tranquilo porque a inteligência que o animal dele terá vai depender muito mais do que esse tutor ajuda no desenvolvimento do animal, permitindo que tenha uma qualidade de vida e nível de bem-estar altos, ou seja, que a gente cumpra o nosso papel como tutor, como responsável e garanta para esses animais um mínimo de conforto e eles terão o seu desenvolvimento cerebral, cognitivo e comportamental pleno.

 Algumas raças são melhores que outras para algumas coisas porque as raças foram selecionadas para algumas coisas muito específicas. 

É bem difícil ganhar de um border collie, por exemplo, quando o assunto é juntar rebanhos. Mas também é bastante difícil ganhar de um golden retriever quando o assunto é buscar algo e trazer. Cada raça tem sua especificidade.